segunda-feira, 22 de junho de 2015

A verdadeira irreverência do Carnaval está nas ruas

De: Guilherme D'Albuquerque

Cada vez mais democráticos, os blocos de rua mostram a genuína animação do Rio de Janeiro

 

O Carnaval carioca, mundialmente reconhecido como a maior festa popular do planeta, é muito mais do que do que os desfiles das escolas de samba na Marquês de Sapucaí. A vitrine dessa festa é, sem sombra de dúvida, os blocos que desfilam nas ruas da cidade antes, durante e depois da semana de Carnaval. Porém, esse cenário descontraído é recente. O carnaval de rua ganhou visibilidade apenas nos últimos dez anos, quando a Prefeitura passou a estruturar e organizar os blocos, oficializando-os. Bastou o setor público enxergar o potencial para que patrocinadores, marcas associadas a diversão e novos foliões fossem agregados ao renascimento do carnaval e da imagem do Rio de Janeiro no exterior. O número de blocos subiu de 140 em 2005 para mais de 450 em 2015, superou São Paulo (que teve 300 blocos nas ruas em 2015) e a tendência é de que em 2016 sejam mais de 500 blocos, levando cerca de 7 milhões de pessoas as ruas dessa megalópole de 13 milhões de habitantes.


O crescimento das pessoas nas ruas durante o Carnaval contrasta com o cenário visto nos anos anteriores. A violência instaurada em alguns bairros, o alto índice de assaltos durante as festividades e a desorganização de muito blocos afastaram e desinteressavam a grande parte do público carioca e fluminense. A falta de interesse político em elevar a imagem da festa popular entre os anos 80 e 2000 e a concentração de atividades festivas no Sambódromo, inaugurado em 1984, contribuíram para décadas de abandono daquela que hoje é a maior festa do planeta.


A ascensão do carnaval de rua começa ainda nos anos 1930, quando o então presidente Getúlio Vargas (1882-1954) toma a decisão de forjar uma identidade nacional para o Brasil, livre de influências estrangeiras. Decisão tomada, é escolhido o samba como ritmo que representaria (e ainda representa) o país no exterior. A escolha do ritmo acaba por promover a criação de escolas de samba, que organizam a festa nas ruas, que em poucos anos passam a arrastar milhares de pessoas para o Centro, fantasiadas e entoando marchinhas e sambas hoje consagrados. Esse cenário animador perdurou e se expandiu por mais de três décadas, e foi duramente interrompido pela ditadura militar (1964-1985), que enfrentou e desmantelou as festas populares por todo o país, especialmente em São Paulo e no Rio de Janeiro. O brilho da festa popular e colorida do Rio foi desaparecendo nos anos 1960 e 1970, ainda que blocos de rua se mantivessem, especialmente nas zonas Oeste e Norte da cidade. Blocos famosos atualmente, como a Banda de Ipanema, surgem durante esse período, na tentativa de manter a alegria e fazer críticas ao regime, e tentam ocupar uma Zona Sul claramente pró-militar. Com o declínio dos militares, o desfile das escolas de samba, que antes ocupavam a Praça Onze, começa a chamar a atenção internacional, e dá-se lugar ao carnaval mercadológico. Após a construção do Sambódromo e o fim da ditadura, as escolas passam a investir em grandiosos desfiles, cujo acesso a eles se torna quase inviável a maior parte das pessoas, especialmente durante as trocas de moedas nos anos 80 e 90.


O crescimento da violência urbana, a ascensão de outros gêneros musicais, o crescimento desordenado da cidade e até a má administração dos blocos lançaram o carnaval de rua nas sombras durante os anos 1990. Entretanto, muitos foliões perceberam a tentativa de elitizar o evento e se lançaram a criar e expandir os blocos de rua. Sem apoio oficial, o boca a boca foi o que trouxe milhões de pessoas as ruas no início desse milênio. A mídia carioca, que sempre teve seu foco na Zona Sul e Centro, percebeu essa expansão dos blocos a partir de 2000, e junto ao investimento do poder público, divulgaram cada vez mais as ruas. Os eventos internacionais que o Rio ganhou o direito de sediar, como os Jogos Panamericanos (2007), Copa do Mundo (2014) e Olimpíadas (2016), só aumentaram a visibilidade das ruas, que ganham mais adeptos do que os grandes desfiles. No final, apesar de todos problemas que o Carnaval teve e ainda tem, a tendência foi a democracia das ruas, afinal, o que há de ser mais democrático do que essa festa popular? A resposta ainda está por vir.

 

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