quinta-feira, 7 de maio de 2015

Merthiolate: um temor já esquecido



Um remédio que impunha, ao lado dos pais, respeito e preocupação

 

 
Fonte: Guilherme D'Albuquerque (Arquivo pessoal)
Verão de 1999. Um dia sem nuvens e ventos. Cenário perfeito para uma criança se divertir. No meio da brincadeira, o acidente: mãos e joelhos arranhados por uma queda brusca. Logo vem a mente dessa criança o maior temor de um jovem daquele tempo, o antisséptico Merthiolate. Não havia dor maior, na mente de uma criança, do que ter suas feridas tratadas com aquele líquido vermelho, ardido e especialista em produzir lágrimas. O mundo está realmente de cabeça para baixo, nem os ditados populares valem mais nada: “O que arde cura”, hoje em dia não arde e dizem que antigamente não curava. O medo daquele remédio já não existe mais. Para uns, saudades. Para outros, alívio.

Criado em 1951, o produto ganhou o gosto do público em alguns anos e se estabeleceu como uma das principais "armas" para tratar crianças com machucados superficiais. Infelizmente, crianças em todo o planeta ficariam bem distantes do "público alvo" do Merthiolate. A combinação da concentração 95% de álcool e do principio ativo timerosal (que dava o tom avermelhado do líquido) provocava uma forte ardência na região ferida. Nascia então, o maior medo dos pequeninos do século XX. Quantas vezes a criança deixava de aprontar uma travessura para não se machucar? Quantos pais não impuseram o medo apenas citando o nome do antisséptico? Quantas lições de moral serão dadas com o vidrinho do líquido vermelho ao lado? O antisséptico ainda possuirá sua função desinfetante, mas muito mais do que isso, adquire uma função pedagógica. Ele seria o divisor de águas na forma como pais lidavam com o comportamento dos filhos. Nos anos 1980, o remédio já havia se tornado símbolo de punições e consequência por desobediências aos pais. É curioso notar que a ascensão e queda do antisséptico mostra como as crianças brincavam muito nessa época e a forte participação dos pais na criação dos filhotes. O surgimento da internet, em 1991, mudaria drasticamente essa realidade. Poucas crianças se ocupam de brincadeiras que exijam esforço físico atualmente, e dedicam seu tempo a games e redes sociais.

Apesar do sucesso, os diversos boatos sobre sua composição e efeitos colaterais que surgiram, especialmente nas nações onde seu sucesso se misturava mais fortemente a imagem de corretivo educacional, acabaram por minar a imagem da marca no início dos anos 1990. Mas de todos os boatos que surgiram, o mais impactante foi o timerosal, que por conter mercúrio, provocaria autismo em crianças. O boato provocou estudos das mais importantes universidades estadunidenses, e conclui-se que muitos organismos infantis tinham dificuldade em processar o mercúrio. ONGs por todo a nação se uniram e pediram as autoridades a extinção do uso da substancia, e o primeiro alvo foram as vacinas que utilizavam timerosal. Somente em 2000, percebeu-se que o Merthiolate também fazia uso dele. O reflexo dos estudos na mídia foi tamanho que os órgãos de saúde interromperam a venda do antisséptico e iniciaram estudos e testes para modificar a composição e a cor, associada popularmente a sangue.  Em 2001, a marca retornou em uma embalagem de cores suaves e com sua amplamente divulgada nova fórmula. Anos depois, novos estudos ligando mercúrio e autismo descartariam a relação entre o elemento e o distúrbio. Depois de tamanha batalha, o maior medo das crianças passaria a ser ficar sem rede WiFi/3G em seus smartphones. Ponto para o futuro (?)

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