Um remédio que impunha, ao lado dos pais, respeito e preocupação
Fonte: Guilherme D'Albuquerque (Arquivo pessoal) |
Verão de 1999. Um dia sem nuvens e ventos.
Cenário perfeito para uma criança se divertir. No meio da brincadeira, o
acidente: mãos e joelhos arranhados por uma queda brusca. Logo vem a mente
dessa criança o maior temor de um jovem daquele tempo, o antisséptico Merthiolate.
Não havia dor maior, na mente de uma criança, do que ter suas feridas tratadas
com aquele líquido vermelho, ardido e especialista em produzir lágrimas. O mundo está realmente de cabeça para baixo, nem os ditados populares valem mais nada: “O que arde cura”, hoje em dia não arde e dizem que antigamente não curava. O medo daquele remédio já não existe mais. Para uns, saudades. Para outros, alívio.
Criado em 1951, o produto ganhou o gosto
do público em alguns anos e se estabeleceu como uma das principais "armas"
para tratar crianças com machucados superficiais. Infelizmente, crianças em
todo o planeta ficariam bem distantes do "público alvo" do
Merthiolate. A combinação da concentração 95% de álcool e do principio ativo timerosal
(que dava o tom avermelhado do líquido) provocava uma forte ardência na região
ferida. Nascia então, o maior medo dos pequeninos do século XX. Quantas vezes a
criança deixava de aprontar uma travessura para não se machucar? Quantos pais
não impuseram o medo apenas citando o nome do antisséptico? Quantas lições de
moral serão dadas com o vidrinho do líquido vermelho ao lado? O antisséptico
ainda possuirá sua função desinfetante, mas muito mais do que isso, adquire uma
função pedagógica. Ele seria o divisor de águas na forma como pais lidavam com
o comportamento dos filhos. Nos anos 1980, o remédio já havia se tornado
símbolo de punições e consequência por desobediências aos pais. É curioso notar
que a ascensão e queda do antisséptico mostra como as crianças brincavam muito nessa
época e a forte participação dos pais na criação dos filhotes. O surgimento da internet, em 1991, mudaria drasticamente essa realidade.
Poucas crianças se ocupam de brincadeiras que exijam esforço físico atualmente,
e dedicam seu tempo a games e redes sociais.
Apesar do sucesso, os diversos boatos
sobre sua composição e efeitos colaterais que surgiram, especialmente nas nações
onde seu sucesso se misturava mais fortemente a imagem de corretivo
educacional, acabaram por minar a imagem da marca no início dos anos 1990. Mas
de todos os boatos que surgiram, o mais impactante foi o timerosal, que por conter
mercúrio, provocaria autismo em crianças. O boato provocou estudos das mais
importantes universidades estadunidenses, e conclui-se que muitos organismos
infantis tinham dificuldade em processar o mercúrio. ONGs por todo a nação se
uniram e pediram as autoridades a extinção do uso da substancia, e o primeiro
alvo foram as vacinas que utilizavam timerosal. Somente em 2000, percebeu-se
que o Merthiolate também fazia uso dele. O reflexo dos estudos na mídia foi
tamanho que os órgãos de saúde interromperam a venda do antisséptico e
iniciaram estudos e testes para modificar a composição e a cor, associada
popularmente a sangue. Em 2001, a marca
retornou em uma embalagem de cores suaves e com sua amplamente divulgada nova
fórmula. Anos depois, novos estudos ligando mercúrio e autismo descartariam a relação entre o elemento e o distúrbio. Depois de tamanha batalha, o maior medo
das crianças passaria a ser ficar sem rede WiFi/3G em seus smartphones. Ponto para o futuro (?)
e quem não lembra....
ResponderExcluir